Esses dias eu assisti, pela quarta vez, o melhor filme do homem aranha já feito. Sim, é o “No way home”, onde eles [alerta de spoiler] juntaram os três Peter Parkers em um único filme. Apesar do frenesi que foi ver os três juntos na telinha, a grande mensagem dos filmes do homem aranha sempre foi e sempre será a frase dita pelo Tio Ben, ou no caso do Peter do Tom Holland, pela Tia May: “Com grandes poderes, vem grandes responsabilidades”.
Essa frase é icônica não só pela mensagem, mas pelo contexto em que ela foi dita. Peter está prestes a perder uma das pessoas que ele mais ama, uma das situações mais difíceis na vida de qualquer um. Essa mensagem acaba se tornando sua filosofia e o guia em todas as situações, mesmo quando ele toma decisões problemáticas, tanto contra inimigos épicos como nos problemas do cotidiano.
Todos nós temos ideais. São os princípios que regem nossas decisões, que guiam nossos passos. Eu imagino esses ideais como na analogia feita pelo Divertidamente, filme da Pixar, construídas como “memórias base”, que juntas formam um arcabouço de ideias e opiniões importantes para a nossa personalidade.
Esse arcabouço acaba tendo um núcleo, que uma vez formado, dificilmente será completamente destruído. Mas será, com certeza, bastante modificado. Pensando nisso, fiz uma reflexão recente sobre como a carreira pode influenciar essas modificações.
Passei quase toda minha carreira trabalhando em ambientes de startup, que sempre exigiram uma “postura empreendedora”. Percebi que isso já seria uma tendência na minha vida, considerando algumas experiências que tive ainda na faculdade, cerca de treze anos atrás.
Foi uma época muito favorável, por conta do meu contexto privilegiado. Não tinha tantas responsabilidades financeiras, morava com meus pais e podia focar completamente nos estudos. Comecei a aprender muito e logo tive vontade de colocar tudo em prática. Assim, juntei algumas pessoas próximas que eu gostava muito e tentei iniciar o que seria uma consultoria de serviços web, mas naquele momento era basicamente uma agência que fazia sites com formulários de contato.
Eu estava extremamente motivado. Todo meu tempo livre estava sendo usado para pensar em como fazer essa empresa crescer e virar nosso ganha pão. Criei um Yahoo Grupos (sim, você leu certo, isso existia naquele tempo), comecei um fio sobre o projeto (basicamente uma thread de emails) e joguei diversos materiais para discussão e aprimoramento, pois não queria perder tempo. Ali, mais de uma década atrás, eu acreditava que usar a internet para comunicação assíncrona era imprescindível para nosso sucesso, porque evitaria uma série de encontros desnecessários. Mas assim que comecei a trabalhar, percebi que as pessoas não estavam compartilhando da mesma empolgação que eu. Talvez ali tenha sido o primeiro momento em que percebi que isso era desafiador. Qual era o motivo de ninguém mais estar empolgado como eu estava? Como não sabia exatamente como atuar, resolvi usar da sinceridade radical. Sentei e escrevi uma longa mensagem no grupo. Lá, escrevi coisas como:
“Hoje em dia, está cada vez mais difícil as pessoas terem tempo pra reuniões pessoalmente. Por isso, a internet e os recursos tecnológicos estão sendo tão difundidos. A possibilidade de você poder ter um grupo virtual, onde todos expõem ideias, discutem, onde há ferramentas para explorar as opiniões do grupo, e isso tudo de qualquer lugar a qualquer hora, é fantástico. […]”
“ […] Até porque, para nós decidirmos um lugar, um horário, irmos até la e decidir algo que não demoraria, só o tempo que levaríamos para chegar, nos arrumar, conversar e decidir, já fizemos pelo computador e ganhamos produtividade. […]”
“[…] Quando alguém dá uma idéia, ou levanta um ponto, cada um tem a responsabilidade de ao menos ler e responder o que acha, apenas pensando na responsabilidade que tem com o grupo. […]”
A mensagem tinha um tamanho relevante, causou impacto e discussão no grupo. Minha intenção era expor minha indignação com o fato de que as pessoas não estavam com a empolgação e comprometimento necessários para que o empreendimento fosse bem sucedido. Ou pelo menos era o que eu achava.
A grande responsabilidade
Os trechos descritos da mensagem, quando lapidados e removidos do contexto, ainda contém o núcleo dos meus ideais, o que representa minha personalidade. Eu ainda acredito e evangelizo o quanto eu posso a cultura do remote first. A comunicação assíncrona e frequente ainda é algo que eu prezo em todas as equipes que eu lidero. Continuo achando que o comprometimento de todos é algo importante demais para uma equipe dar certo e conseguir entregar valor real para o cliente.
Mas, apesar de manter o núcleo quase que inalterado, percebi uma evolução grande em tudo o que cerca esses ideais. Eu jamais tomaria as mesmas ações que tomei treze anos atrás. Depois desse episódio, me formei e passei por diversas experiências profissionais, destas tendo pelo menos sete anos liderando equipes de tecnologia. Grandes questões que me atormentavam no início já não tem mais o mesmo efeito. Hoje entendo que pessoas podem estar motivadas, dentro de suas realidades. Se eu pudesse falar comigo mesmo naquele momento, daria o seguinte conselho:
“Não podemos projetar nas pessoas coisas que fazem sentido para nós, no nosso contexto, na nossa realidade, sem praticar empatia. Liderar passa por entender as realidades de cada pessoa que está no seu time. Jamais exponha alguém, use a sinceridade radical quando necessária, mas dentro do contexto correto. Puxe a pessoa que você precisa conversar e converse, sempre trazendo exemplos e tendo um objetivo claro: a evolução do time e de todos que ali estão. Ao invés de esconder suas vulnerabilidades (pois muitas vezes achamos que isso pode nos tornar “fracos”) é melhor trazê-la para as conversas, pois isso fortalece as relações.”
Em resumo, aprendi que a liderança é sim, um grande poder. Você tem influência na vida das pessoas, você decide ou não expor alguém na frente de todos, você decide se vai ajudar ou deixar a evolução de um ser humano pra lá, de maneira ativa. Lidar com vidas humanas é sempre um grande poder e, como o Tio Ben disse, traz grandes responsabilidades.
Gui Rey.