Você provavelmente já ouviu falar em Thomas Edison. É o inventor da lâmpada incandescente, que disse a famosa frase “Eu não falhei. Apenas descobri 10.000 maneiras que não funcionam”. Mas o que muitos não sabem é que em 1878, o jornal “New York Sun” publicou um depoimento de Edison dizendo que ele havia resolvido o mistério da lâmpada incandescente. Mas não era bem verdade... Enquanto pediam demonstrações daquilo, Edison dava um jeito de fingir que as coisas funcionavam, dando ações da sua empresa pra tentar manter todos “dentro do barco”, esperando que em algum momento ele realmente conseguiria. Depois de quatro anos ele realmente resolveu o problema. Edison talvez tenha sido o primeiro a realizar o “fake it till you make it” - mentiu até que conseguisse de fato resolver e entregar o que prometeu.
O caso de Edison é interessante pois sua mentira não afetava ninguém, já que era uma nova descoberta. Mesmo assim ele preferiu mentir sobre os acontecimentos no início, por pura estratégia de negócios, para manter o interesse em suas invenções. Mas será que isso é sempre aconselhável? Como seria a vida de Edison se ele tivesse admitido desde o início que não tinha conseguido resolver aquele problema? Ele ainda assim teria conseguido, quatro anos depois? Hoje eu trago duas pequenas histórias reais sobre startups que foram nessa direção - e porque acho que não é uma estratégia boa para seguirmos nos negócios.
Imagine que você acorde e queira tomar um suco cheio de nutrientes e muito bem feito, com um sabor único. Você precisa ter frutas frescas todos os dias, cortá-las e usar algum tipo de dispositivo para obter o néctar desejado. Mas uma startup resolveu trazer uma solução para este problema, criando uma máquina ultra tecnológica que faria sucos para você consumir - bastava comprá-la por USD 700 (inicialmente, depois diminuíram para USD 400) e então ficar reabastecendo com novos “saquinhos” de suco. A Juicero prometia uma experiência perfeita quando o assunto era tomar um suco nutritivo e saboroso, já que sua máquina era capaz de extrair um sabor único dos ingredientes, pela força e calibração da máquina. Tudo parecia bem, a startup conseguiu uma rodada de investimentos de USD 120 MM (milhões) e evoluia seu produto no seu escritório, no Vale do Silício. O problema foi quando a Bloomberg percebeu que apesar da Juicero dizer que sua máquina fazia sucos de maneira única e que tinha uma potência elevadíssima para “pressionar” os conteúdos dos sacos de suco, a reportagem decidiu fazer um pequeno experimento: e se usarmos a mão? O que acontece é quase que uma mágica. O suco sai do saco e entra no copo! A verdade é que a máquina não era necessária. Eram só sacos com sucos para consumo. Eles não necessariamente mentiram sobre o produto, mas mentiram sobre a experiência e o que eles estavam, de fato, solucionando. Não a toa, depois de muitos clientes descobrirem que não era necessário uma máquina de 400 dólares e que eles só vendiam um “Tang Gourmet Orgânico Pronto”, a empresa fechou as portas em 2017, 17 meses após o lançamento. O CEO da startup queria muito ser o Steve Jobs dos sucos, ele queria reinventar o mercado, como o CEO da Apple tinha feito com computadores pessoais. O problema é que tentou fingir que já estava resolvendo algo antes de ter algo resolvido, o que fez sua empresa fracassar. O caso da Juicero foi em 2017, perto de outra startup que fechava por conta do mesmo problema, o “Fake it till you make it”.
Em 2003, uma jovem americana de apenas 19 anos resolveu largar a faculdade de Stanford e abrir sua empresa de biotecnologia. Elizabeth Holmes queria revolucionar o exame de sangue - sua ideia era que as pessoas tivessem acesso a seus dados de saúde mais facilmente e de maneira menos invasiva, sem aquelas agulhas grandes que temos que usar para retirar tubos e tubos de sangue para análise. Imagine que você consiga ir até uma farmácia do seu bairro, na esquina da sua casa, e com apenas uma pequena picada no dedo, uma máquina te dá um hemograma completo, podendo acompanhar diversos problemas de saúde sem muito esforço. Esse cenário era o sonho de Elizabeth. Antes de começar a empresa, ela consultou alguns profissionais de Stanford e mesmo uma das melhores da área lhe avisando que, apesar da intenção ser muito boa e o cenário imaginado ótimo para a sociedade, sua ideia não tinha nenhuma plausibilidade técnica (ou seja, o que ela queria fazer não era possível - pelo menos não pelos métodos que ela estava propondo), ela ainda assim criou a Theranos. O nome era uma mistura das palavras Therapy (terapia) e Diagnosys (diagnóstico), que chamou a atenção de muita gente e chegou a valer USD 9 bilhões em seu melhor momento. A empresa teve um percurso de muito sucesso no mercado americano, através do uso de sua máquina chamada “Edison” (em homenagem a Thomas Edison), que prometia pegar um pequeno tubo de sangue retirado da ponta do dedo dos pacientes para realizar diversas análises. Foi tão bem que depois de levantar muito dinheiro com investidores (que tinha pessoas como George Shultz, secretário de estado dos EUA), fez uma parceria com a gigante Walgreens - uma das maiores redes de farmácia do país. Eles criaram diversos “centros de bem-estar”, onde pacientes podiam realizar seus exames de sangue de maneira rápida e fácil, com apenas uma gota de sangue - ou pelo menos era o que eles achavam.
A verdade é que tudo o que a empresa prometia e dizia que fazia era mentira. Desde o início Elizabeth tomou a decisão de ir pelo caminho “Fake it till you make it” - era melhor mentir para os investidores, usando dados falsos, cherry picking e muito poder de convencimento do que dizer a verdade: que não existia tecnologia que fizesse o que ela gostaria. O fato é que o império biotecnológico de Holmes começou a ruir quando pacientes começaram a perceber que seus exames vinham alterados, sem nenhum motivo aparente. A Theranos até diagnosticou doenças que não existiam nos pacientes, por conta das falhas e mentiras da empresa. Eles não mostravam nada sobre sua tecnologia, porque não existia. Eles utilizavam máquinas de análise de sangue de outras empresas, como Siemens, ao invés da Edison. A empresa fechou as portas em meados de 2018 oficialmente, mesmo tendo já parado suas operações antes disso. Em 2022, Holmes foi julgada e sentenciada por fraude, pegando pouco mais de 11 anos de cadeia. Se você tiver curiosidade em saber mais detalhes sobre essa história, eu recomendo o documentário “The Inventor”, da HBO; ou o podcast da ABC “The Dropout”, que deu origem à série de ficção (e realidade) de mesmo nome, que no Brasil é transmitida pela Star+; ou também o livro que originou as demais obras, “Bad Blood”, de John Carreyrou, um jornalista de Wall Street que conseguiu informações relevantes para demonstrar a fraude da empresa. Lá você vai descobrir que além dos problemas dos pacientes terem iniciado sua ruína, também existiu um whistleblower, que era um dos netos dos investidores. Recomendo muito a leitura do livro!
Claro que você pode achar que eu exagerei ao trazer um exemplo de empresa que cometeu uma fraude como essa. Mas meu objetivo aqui é criar a reflexão para essa estratégia da mentira como base para os negócios. É claro que nem todos que usam a estratégia "fake it till you make it" acabam como Elizabeth Holmes, mas esses exemplos radicais destacam os perigos de basear os negócios em falsidades. Edison pode ter tido sucesso, mas sua abordagem poderia ter resultado em desastre se sua lâmpada incandescente não tivesse eventualmente funcionado. Da mesma forma, Juicero e Theranos podem ter começado com boas intenções, mas suas mentiras acabaram se tornando sua ruína.
O que essas histórias nos ensinam é a importância da honestidade e da integridade nos negócios. É compreensível querer vender uma ideia ou produto antes que ele esteja totalmente pronto, mas é crucial ser transparente sobre suas capacidades e limitações. Os clientes e investidores valorizam a confiança e a credibilidade, e construir uma reputação sólida é fundamental para o sucesso a longo prazo.
Então, da próxima vez que você estiver tentado a exagerar ou distorcer a verdade para impulsionar seu negócio, pare e reflita sobre as consequências potenciais. Será que vale a pena arriscar sua reputação e a confiança das pessoas ao seu redor? Em vez disso, concentre-se em desenvolver um produto ou serviço de alta qualidade e seja honesto sobre o que você pode oferecer. No final, a honestidade sempre prevalecerá.