Hush-cations?
Venha ler o que o artigo da Forbes Brasil sobre férias no trabalho queria dizer
É uma quinta-feira. Você acorda, olha pela janela e vê aquela beleza natural do campo, com ventos fortes e um cheiro sem igual da vegetação. Depois de tomar seu café especial com a família, vai para uma mesa um pouco isolada na casa em que está e começa a trabalhar. Antes de mais nada verifica seus emails, lê as mensagens da sua equipe (cada um deles sempre se comunicam para que todos saibam os andamentos das tarefas) e resolve ir para a reta final de algo que já está com você tem alguns dias. Você investe algumas horas de foco nisso, já que não tem nenhuma interrupção constante e conta com a confiança do seu time, conseguindo finalizá-la. Agora basta se comunicar com o time, escrevendo sobre como foi o andamento e como a tarefa foi feita, para que todos possam verificar e o fluxo continuar. Depois disso, percebe que o resultado que tinha para o dia foi atingido e resolve parar por volta de 16h, para poder aproveitar o restante do dia relaxando com a família.
Essa pequena descrição infelizmente é só uma peça de ficção. Ler isso pode nos dar uma sensação estranha, já que contém elementos que não vemos e vivemos no mercado de trabalho.
A reflexão de hoje é sobre a relação entre o trabalho e nosso tempo. A motivação para esse assunto foi uma manchete que li no instagram: “Profissionais remotos estão tirando férias clandestinas durante o trabalho”. No momento em que a li, já não gostei e tirei conclusões prévias. Muitas pessoas também foram por esse caminho, comentários como “O trabalhador não pode mesmo ter nenhum lazer “, “Foi o estagiário que fez essa postagem?”, "A pior matéria já feita pela Forbes” estão entre os mais curtidos. Mas quando resolvi escrever sobre isso, fiz o mesmo caminho que descrevi quando falei sobre ruído. Busquei o artigo original da Forbes Brasil e depois achei o raíz, da Forbes EUA (se você quiser, pode ler o artigo aqui).
De início já percebi que o título diz algo diferente da versão brasileira. Uma tradução livre seria “4 razões para o fenômeno hush-cation estar crescendo entre trabalhadores remotos”. A ideia central do artigo (que é de opinião) é explicar um movimento que tem se tornado tendência entre os trabalhadores dos EUA, o “hush movement”, que busca uma maior flexibilidade nos trabalhos.
Apesar do termo ter “férias” contido nele, não há uma referência direta a uma folga em si - que seria a definição de férias. Os trabalhadores tem, cada vez mais, trabalhado enquanto viajam por lugares diferentes, sem avisar seus empregadores. Bryan Robinson (PhD em psicologia, autor do artigo) mostra alguns dados relevantes para o tema e lista as quatro razões que justificam esse movimento estar em alta. Segundo ele, são:
Ao combinar trabalho e lazer, trabalhadores remotos dizem que são mais produtivos em um ambiente de lazer porque estão mais relaxados, com a mente clara e criativos.
Contanto que os funcionários cumpram as horas e realizem o trabalho, os trabalhadores remotos acreditam que não importa se estão em sua estação de trabalho em casa ou relaxando na praia de uma ilha tropical.
Alguns defensores acreditam que as hush-cations podem ser um antídoto para o esgotamento e até ajudar na retenção, impedindo que os trabalhadores remotos deixem seus empregos.
Os apoiadores acreditam que as hush-cations têm o potencial de aumentar o moral entre os trabalhadores remotos e contribuir para um melhor equilíbrio entre trabalho e vida pessoal.
O autor também questiona a motivação por trás do movimento. Uma delas é o burnout. O site MyPerfectResume fez um questionário sobre o assunto e registrou que 20% das pessoas respondentes pensam em desistir de seus trabalhos diariamente e 88% disseram que estão “burned out”, ou seja, já chegaram no limite em seus trabalhos.
Uma outra razão para essa ascensão do movimento é um conceito que, pra mim, é central para essa discussão toda: produtividade. Uma empresa chamada Owl Labs conduziu uma pesquisa onde entrevistou 2.050 trabalhadores americanos, para entender como eram as percepções de produtividade por parte de gerentes e colaboradores. A pesquisa trouxe que 60% dos gerentes estão preocupados com a possível diminuição de produtividade por parte dos trabalhadores, enquanto 62% deles dizem que se sentem mais produtivos quando estão trabalhando remotamente. O artigo tenta explicar a perspectiva do empregador e porque essas pessoas podem achar as “hush-cations” problemáticas, mas conclui que de fato o melhor cenário seria um arranjo ganha-ganha entre os dois, já que isso traz mais equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. Ele inclusive diz que escreveu aquelas palavras enquanto curtia uma “hush-trip” na Carolina do Sul.
O que achei mais interessante é como a percepção de produtividade é diferente entre quem lidera e quem é liderado. Isso mostra uma deficiência gigante nas empresas. Enquanto deveriam estar focadas no resultado, estão perdendo tempo com achismos baseados em culturas antigas que vem se arrastando pela história. Os líderes devem aprender a medir resultados de forma eficaz, não através do tempo gasto na cadeira, mas pelo valor e impacto real do trabalho. Esta mudança de paradigma é crucial em um mundo onde a flexibilidade e o bem-estar são essenciais para a produtividade e satisfação. As "hush-cations", mais do que uma fuga, são uma adaptação à realidade de que o equilíbrio entre vida pessoal e profissional contribui significativamente para a eficácia e a criatividade no trabalho.
O que fazer então? A liderança de hoje precisa focar na criação de novas culturas, trazendo mais metodologia e ciência para o ambiente de trabalho. Com uma cultura focada no resultado, com métodos de mensuração bem definidos e maneiras de lidar com a complexidade arbitrária que cercam os negócios, as empresas serão capazes de ter equipes engajadas e motivadas de maneira genuína.
Obs.: Mais um artigo que enganou muita gente pela manchete… Apesar de parecer que a Forbes estava dizendo que as pessoas tiravam “férias escondidas”, não era sobre isso. Em nenhum momento se coloca que o trabalhador busca férias sem trabalhar, mas sim o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal.