Recentemente eu estava assistindo - pela sétima vez, se minha contagem não estiver errada - a sitcom americana The Office. É uma das minhas séries favoritas, principalmente por causa da atuação impecável de Steve Carell como Michael Scott, o gerente regional da filial da Dunder Mifflin, uma fornecedora de papel. O ambiente de escritório é base para muito material hilário, uma comédia por constrangimento. Nas últimas temporadas da série, com a saída de Carell, fomos apresentados a Robert California (interpretado por James Spader), um personagem com um humor diferente e um ávido usuário de metáforas - o problema é que normalmente elas são muito constrangedoras para seus funcionários, rendendo os melhores momentos do personagem pra mim.
Robert California está retratando, de maneira cômica, o que encontramos no mundo corporativo: uso excessivo de metáforas e analogias. E um dos principais alvos para metáforas por ai ainda são as guerras. Isso me fez pensar: será que todos nós estamos nas trincheiras da guerra do mercado?
Explicar ou dar uma opinião sobre algo não é tarefa fácil. Nossa comunicação é peça fundamental para as relações, tanto pessoais quanto profissionais. Sabendo que essa comunicação não é trivial, criamos maneiras de facilitá-la, através de recursos da língua. Analogias e metáforas são caminhos usados para dizer algo quando se diz outra coisa, como por exemplo “a inovação é nosso motor” - que faz sentido em um contexto imaginário figurado, já que a empresa não tem um motor literal, mas a frase tenta colocar inovação como força propulsora da empresa. A verdade é que fazemos isso o tempo todo, quando explicamos conceitos desconhecidos por outros, queremos melhorar o entendimento de alguma opinião específica, etc. O uso dos recursos é ilimitado: acabamos usando com diversos tipos de contextos, desde mais tranquilos até alguns que talvez não se encaixem em alguns ambientes.
Segundo Lakoff e Johnson, em seu livro "Metaphors We Live By" (1980), as metáforas não são apenas figuras de linguagem decorativas, mas sim fundamentais para o nosso pensamento, percepção e ação. Uma metáfora estrutural mapeia uma estrutura conceitual de um domínio de origem (familiar) para um domínio alvo, mais abstrato. Como assim? Podemos fazer uma metáfora de guerra para um argumento, por exemplo, fazendo um mapeamento com a guerra considerada concreta para o argumento abstrato. Nesse sentido algumas frases poderiam ser criadas, como:
“Atacou cada ponto do meu argumento”
“Defendeu sua posição com muito vigor”
O uso deste tipo de metáforas e analogias é comum em vários contextos, incluindo no ambiente corporativo e em séries como The Office.
Paula Liendo, em seu trabalho 'Business language: A loaded weapon? War metaphors in business', usa o conceito de Lakoff para analisar textos que utilizam metáforas e terminologias de guerra. A autora argumenta que a metáfora estrutural 'business is war' (negócios são guerras) molda a realidade das mensagens nos textos. Ela apresenta exemplos, como o título 'Congresso deveria terminar a guerra econômica entre os estados', para mostrar como essas metáforas influenciam nossa interpretação. Liendo conclui que não estamos sempre conscientes da carga extra que essas palavras carregam, pois as metáforas inserem aspectos da realidade em nossas percepções.
Entendemos que o uso dos recursos linguísticos é importante para nossa comunicação, refletindo e moldando nossa realidade. Mas qual é a motivação para o uso de recursos comparando nossa realidade com a guerra? Uma resposta é descrita no artigo de Oneţ A. and Ciocoi-Pop A. (2022). Para os autores, o uso de recursos de comparação com guerras é usado para trazer um certo senso de seriedade e urgência que talvez não fosse possível através de outros meios linguísticos. Os autores fazem uma citação do artigo “Military Analogies in Business Management”, do site Sparklight Business, que afirma: “Todo dia que você comanda um pequeno negócio, você está essencialmente indo para batalha”. O artigo descreve situações onde tais analogias fazem sentido e “te ajudam” a navegar entre elas, como no “marketing de guerrilha”.
E até aqui você pode estar se perguntando se isso realmente tem alguma implicação prática.
Todos nós já ouvimos e usamos esse tipo de coisa. Em 1977, o diretor de marketing da Nike, Robert Strasser, criou um memorando com 10 princípios da empresa. O quarto princípio dizia que “Isso é tanto sobre batalha quanto sobre negócios”, moldando a realidade da indústria à época, colocando que sem uma mentalidade de quem vai para a guerra, não seria possível fazer a empresa ter sucesso.
Com o tempo os negócios foram evoluindo, a indústria foi mudando e entendemos mais hoje sobre as implicações deste tipo de terminologia do que antigamente. Mesmo assim, muitas empresas ainda preferem utilizar esse tipo de jargão em suas comunicações, achando que estão “motivando” seus colaboradores da melhor maneira possível. O problema é que muitas vezes muitas pessoas que estão no alto das hierarquias das empresas usam isso e acabam moldando a realidade, construindo uma visão de mundo que fica sedimentada na empresa. Essa visão de mundo, quando comparada com guerras, traz consigo uma carga desnecessária. Belinda Parmar, em seu artigo “Why we need to torpedo the language of office warfare”, coloca:
*[…] É, portanto, fácil ver como as imagens militares continuam a perpetuar a ideia de negócios como um território hostil: uma paisagem onde cada funcionário é apenas mais um soldado em batalha, preso atrás das linhas em uma terra de ninguém solitária, enfrentando uma linha inimiga sem rosto composta por chefes, colegas e clientes.
Isso, para continuar com a enxurrada de metáforas militares, certamente terá um efeito reverso. O uso contínuo de terminologia agressiva, alienante e militar ajuda a criar um ambiente de trabalho onde o trabalho em equipe, a criatividade e a comunicação não podem se desenvolver. A inovação, como a pesquisa nos diz cada vez mais, surge de grupos diversos e inclusivos de pessoas, cada um livre para contribuir com suas ideias e vê-las crescer. Falhas são abraçadas como oportunidades de aprendizado, não como motivos para punição e humilhação.*
Podemos usar termos que facilitem a compreensão, mas ao utilizar metáforas de guerra de maneira excessiva, criamos ambientes pautados por esse tipo de pensamento. Esse pensamento traz uma carga desnecessária de competitividade, pressão extrema, punição inútil e hierarquia excessiva.
Criar um ambiente corporativo com uma cultura baseada em metáforas de guerra é perigoso. A consequência é clara: um ambiente excludente, que limita inovação e normaliza um pensamento equivocado. Hoje, mais do que nunca, precisamos criar culturas que estejam preocupadas com as pessoas em primeiro lugar. Eu concordo com Simon Sinek (autor de “Comece pelo porquê”), quando diz que usamos comparações de esportes e guerra demais no trabalho. Precisamos parar de chamar nossos competidores de competidores e começar a chamá-los de rivais: precisamos manter as empresas no jogo o maior tempo possível, não importando o tempo de nossos rivais. Vamos estudá-los, entendê-los e criar melhores maneiras de gerenciar nossos negócios.
Vamos continuar usando metáforas e analogias, como Robert California faz na Dunder Mifflin (talvez não tão constrangedoras, por favor), mas de maneira cautelosa e tentando fugir do excesso de contextos de guerra, sempre para explicar e melhorar nossa comunicação. Espero que todos entendam que não, não estamos juntos na trincheira - estamos apenas tentando criar valor para a sociedade através do nosso trabalho.
Referências
Lakoff, G., & Johnson, M. (1980). Metaphors We Live By. Chicago: University of Chicago Press.
Liendo, Paula., (2001), "Business language: A loaded weapon? War metaphors in business." Invenio, Vol.., núm.6, pp.43-50 [Consultado: 13 de Junio de 2024]. ISSN: 0329-3475. Disponible en : https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=87740605
Oneţ A. and Ciocoi-Pop A. (2022) Of Battle and Business: Military Language in the Corporate Environment. International conference KNOWLEDGE-BASED ORGANIZATION, Vol.28 (Issue 2), pp. 213-218. https://doi.org/10.2478/kbo-2022-0075
World Economic Forum. (2016, May 12). Why we need to torpedo the language of office warfare. Recuperado de https://www.weforum.org/agenda/2016/05/why-we-need-to-torpedo-the-language-of-office-warfare/.
An Alternative to Sports and War Analogies | Simon Sinek. YouTube, acessado em 15/06/2024. youtube.com/watch?v=rXZXutQhals