Disclaimer: Esta newsletter também está disponível em um formato Podcastal, o que chamei de Minicast.
Recentemente, navegando na minha linha do tempo de newsletters, uma delas me chamou a atenção. Era a The Briefing, do site The Information, com a seguinte manchete: "Amazon assina acordos para projetos inovadores de energia nuclear para atender à crescente demanda por energia.”. A notícia, que você encontra diretamente no site da amazon1, fala sobre os novos acordos assinados para apoiar o desenvolvimento de projetos inovadores de energia nuclear. Além da Amazon, Google, Microsoft e Oracle também estão no mesmo caminho. Mas por que?
Não é que elas precisem de nada nuclear, elas só precisam de energia elétrica. E o motivo deles precisarem de tanta energia é a operação de seus Data Centers, locais que concentram seus sistemas computacionais. São nesses locais que praticamente tudo o que usamos acaba passando. Todos os servidores da Amazon, Google, Microsoft, Oracle e etc ficam em locais físicos que demandam muita energia, por conta dos computadores e sistemas de refrigeração. Esses lugares são grandes e concentram um poder computacional enorme. Sabe quando falamos “Tá na nuvem”? Não sei se você já viu uma camiseta com a frase “A nuvem é um computador de outra pessoa”. Pois é, esses computadores estão nestes Data Centers.
Mas o que mudou recentemente? Todos sofreram um boost: a inteligência artificial chegou chutando a porta. Até hoje, os data centers representam aproximadamente 3% da energia dos US, por exemplo. Uma estimativa da Goldman Sachs Research mostra que esse número pode chegar em 8% em 2030. Um fato para você entender a magnitude do que estamos falando: segundo a Agência Internacional de Energia, uma busca com o ChatGPT pode demandar 2,9 watt-horas de eletricidade, enquanto uma busca comum do Google apenas 0,3. Já deu para entender para onde estamos indo, né? As empresas precisam continuar seus desenvolvimentos em inteligência artificial, muitos computadores realizando aprendizado de máquina, muita energia elétrica sendo demandada. O que fazer para lidar com isso tudo? A resposta é que provavelmente as fontes que temos hoje não serão suficientes para lidar com esse aumento. Segundo a Goldman Sachs (de novo)2, os EUA terão que investir aproximadamente US$ 50 bilhões em nova capacidade de geração apenas para suportar os Data Centers. É ai que entram os reatores nucleares.
A energia nuclear é uma das fontes energéticas mais seguras e limpas que a humanidade já conseguiu criar. Segundo a World Nuclear Association, atualmente a energia nuclear é responsável por 9% da demanda elétrica mundial, vindo de aproximadamente 440 reatores de potência. Eu sei o que você deve estar pensando: “Poxa, mas você não assistiu à serie de Chernobyl?”. Apesar dos desastres como este e até do Césio-137 no Brasil ficarem na nossa memória, a energia nuclear é uma opção muito viável e interessante para o cenário em que estamos vivendo. Os reatores nucleares de potência usam a fissão nuclear - quando quebramos os átomos - para gerar uma quantidade enorme de calor, que então é usado de alguma maneira para gerar um vapor capaz de girar uma turbina e gerar energia elétrica, totalmente livre de emissões de carbono. A Microsoft anunciou investimentos enormes para reabrir uma usina nuclear na Pennsylvania, a Three Mile Island, mirando nessa demanda crescente de energia. A Amazon, através do fundo de investimento da iniciativa que co-criou, chamada “The Climate Pledge”, investiu US$ 500 milhões para ajudar no desenvolvimento de novas tecnologias para reatores nucleares, os chamados SMRs, ou Small Modular Reactors. O Google também já havia anunciado investimentos no mesmo tipo de tecnologia. A tecnologia promete novos tipos de reatores nucleares, um pouco diferentes dos que temos hoje em dia. Uma das principais diferenças é na sua fabricação. Os reatores que ainda utilizamos normalmente precisam ter seu local de operação escolhido previamente e então ser construído diretamente. No caso dos reatores modulares pequenos, a ideia é que eles sejam fabricados e então levados para os locais adequados, onde serão operados. Essa é só uma das diferenças, já que os SMRs prometer ser melhores, e mais seguros no geral. O uso da energia nuclear por parte das big techs é o sonho de terem uma energia 100% livre de carbono, confiável e previsível - sem apagões que desliguem seus Data Centers, por favor.
Pra tentar tangibilizar mais o que estamos falando aqui: recentemente, o co-fundador da Oracle, Larry Ellison, disse que tinha um “anúncio bizarro a fazer”.
“Deixa eu dizer algo que vai parecer bem bizarro. Bom, vocês provavelmente dirão que eu digo coisas bizarras todo o tempo, então porque ele está avisando sobre essa é que é bizarro mesmo. A localização e a instalação de energia que escolhemos já possuem licenças de construção para três reatores nucleares", disse Ellison. "São pequenos reatores nucleares modulares para alimentar o data center. É assim que as coisas estão ficando malucas. É isso que está acontecendo.”
Outro exemplo é sobre Bill Gates, fundador da Microsoft e oitava pessoa mais rica do planeta. Ele já investiu mais de US$ 1 bilhão na sua própria empresa de energia nuclear, chamada TerraPower. Do site oficial deles: “Os inovadores da TerraPower criam tecnologias para fornecer energia segura, acessível e abundante, livre de carbono. Eles desenvolvem maneiras de utilizar calor e eletricidade para impulsionar o crescimento econômico, ao mesmo tempo em que descarbonizam a indústria. Além disso, criam processos para extrair radioisótopos para uso médico em tratamentos de câncer que salvam vidas.”.
Além disso tudo, também existe uma pressão por parte das empresas por conta da sustentabilidade. Elas entendem que estamos vivendo uma crise climática e que precisamos mover esforços para combatê-la. O papel destas empresas não pode ser subestimado, já que como vimos, tem uma participação ativa na demanda energética do planeta. Esse movimento pela energia nuclear acaba sendo um passo importante também no compromisso de zerar a emissão líquida de carbono até 2040, por exemplo. Esse é o compromisso do “The Climate Pledge”, co-criado pela Amazon em 2019. No caso da gigante das entregas, existem mais metas ousadas, como fazer sua operação ser completamente livre de carbono e também trocar toda a eletricidade consumida para origens em fontes 100% renováveis de energia - objetivo já atingido, bem antes do prazo proposto.
A corrida das big techs pela energia nuclear revela um movimento estratégico que vai além da simples busca por eletricidade: é uma tentativa de alinhar inovação tecnológica, sustentabilidade e segurança energética em um cenário de crescente demanda. Com data centers cada vez mais famintos por energia, especialmente devido ao avanço da inteligência artificial, as soluções tradicionais não são suficientes. A adoção de reatores nucleares, especialmente os pequenos modulares, oferece a promessa de energia limpa, confiável e previsível. A mensagem é clara: o futuro da tecnologia depende de energia sustentável em larga escala. E, à medida que Amazon, Microsoft, Google e Oracle lideram essa transição, fica evidente que estamos assistindo ao surgimento de uma nova era, onde tecnologia e energia nuclear caminham juntas para impulsionar o progresso econômico sem comprometer o planeta.